Search
Close this search box.

Artigo: Os riscos do rol exemplificativo

A equação é complexa e seu resultado é previsível. Depois de cinco anos de discussão jurídica e técnica, com a participação de peritos e especialistas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o caráter taxativo para o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, não estando as operadoras de planos de saúde obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista, exceto em algumas situações excepcionais. 

Em menos de um mês, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei, que pretende alterar o rol para exemplificativo. No primeiro debate sobre o tema, no Senado Federal, o relator do PL 2.033/2022, senador Romário (PL-RJ) e outros senadores manifestaram apoio à proposta. Tudo isso, às vésperas das eleições.

A complexidade da equação acontece a partir do momento em que movimentos da sociedade, inclusive de artistas, formados por uma minoria, afirmam que as operadoras de saúde conseguem custear todos os tratamentos para quem paga pela assistência. Sendo objetivo: com a abertura dos procedimentos, há uma grande demanda e, por conseguinte, o aumento de custos dos planos. O resultado?

A comercialização de contratos mais caros e um reajuste anual mais robusto, que vai levar muitos beneficiários, que não precisam de tratamentos específicos, à inadimplência. Importante destacar, que os beneficiários dividem os custos, ou sinistros, que foram gerados para a operadora. Pagar um plano de saúde tem sido cada vez mais desafiador. A pesquisa ANAB de Assistência Médica, identificou que 47% dos brasileiros tiveram que ajustar as contas para manter o plano de saúde, no último ano. Vai haver evasão de consumidores nos planos de saúde se o parecer favorável do relator do Senado Federal for confirmado.

O modelo exemplificativo, tem um ponto importante que os brasileiros desconhecem: quando a operadora oferece coberturas assistenciais, ela precifica o plano com base na previsibilidade de utilização. Então é feito o cálculo do preço do plano baseado no risco que o contratante vai oferecer. Sem essa garantia, não consegue fazer um planejamento adequado. Se há excesso na utilização, lá na frente isso volta em formato de reajuste, com a prática do mutualismo, onde os consumidores que não participaram dos gastos, acabam dividindo a conta junto com a minoria. Quando falamos em rol exemplificativo, abre-se uma porta de exceções de coberturas inicialmente não previstas que passarão a ser exigidas pelos beneficiários.

Na conta das exceções, vamos somar também a alta demanda de tratamentos que acabam recebendo a negativa do plano. E aí o assunto vai para a esfera do judiciário. Penso que estes casos isolados são beneficiados por liminares, que servem para se sobrepor perante todos que não têm esse direito, obrigando a todo grupo assistido a participar da conta.

A evasão de beneficiários nos planos de saúde vai sobrecarregar o Sistema Único de Saúde, que já gasta bilhões de reais anuais em tratamentos que não são oferecidos pela saúde pública. E o SUS, por sua vez, também estará obrigado a garantir inúmeras coberturas não previstas, pois também estará vinculado ao rol exemplificativo.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o piso de enfermagem, que deverá comprometer o orçamento dos hospitais, especialmente as Santas Casas que já vivem com dificuldades financeiras, inclusive com o fechamento de muitas delas, com destaque para o Hospital Irmã Dulce na Bahia. Aquelas que sobreviverem serão obrigadas a corrigir suas tabelas junto às operadoras, mais um fator que entrará na planilha de custo das operadoras para justificar o aumento.

Fora o impacto econômico, há um aspecto de extrema relevância que merece alerta máximo, que é a forma criada pelo Projeto de Lei para aprovar novos tratamentos, procedimentos e medicamentos não previstos no rol. Basta que exista a comprovação da eficácia, baseada em evidências científicas e plano terapêutico OU existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Devemos lembrar que a eficácia de determinado medicamento, por exemplo, sem que seja estudado e avaliado o grau de efeitos colaterais e danos que pode causar a um paciente, pode oferecer risco à vida.

Cito, por exemplo, o caso do Vioxx, medicamento que foi usado para combater cólicas menstruais, enxaqueca, dores e inflamações causados pela osteoartrite e pela artrite reumatóide. Desde que o remédio chegou às farmácias, em 1999 até 2004, quando saiu de circulação, ele foi receitado para 84 milhões de pessoas. Era eficaz, porém, ficou comprovado que seu uso por mais de 18 meses dobraria os riscos de infartos e derrames cerebrais.

Com a facilidade de se aprovar a cobertura de novos medicamentos e procedimentos com base apenas em sua eficácia, isto deve atrair indústrias farmacêuticas para lançar novos produtos. É possível também que o Brasil se transforme num polo turístico da saúde, recebendo estrangeiros para realizar tratamentos proibidos no exterior.

O tema merece ser tratado com cautela e tecnicidade, pois são muitas variáveis e, da forma como chegou ao Senado Federal, o Projeto de Lei pode ser muito prejudicial à população.

compartilhar:

tags:

alessandro acayaba de toledo

Advogado especializado em direito na saúde, com mais de vinte anos de experiência no setor de saúde suplementar e na consultoria a entidades e sociedades de especialidades médicas. 

notícas relacionadas